Artigo: Deficiência em Pauta

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De acordo com o Relatório Mundial Sobre a Deficiência, lançado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2011 e traduzido pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo convivem com alguma forma de deficiência, dentre os quais cerca de 200 milhões experimentam dificuldades funcionais consideráveis. Nos próximos anos, a deficiência será uma preocupação ainda maior porque sua incidência tem aumentado. Isto se deve ao envelhecimento das populações e ao risco maior de deficiência na população de mais idade, bem como ao aumento global de doenças crônicas tais como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer e distúrbios mentais.   

Em todo o mundo, as pessoas com deficiência apresentam piores perspectivas de saúde, níveis mais baixos de escolaridade, participação econômica menor, e taxas de pobreza mais elevadas em comparação com pessoas sem deficiência. Em parte, isto se deve ao fato das pessoas com deficiência enfrentarem barreiras no acesso a serviços que muitos de nós consideramos garantidos há muito, como saúde, educação, emprego, transporte, e informação. Tais dificuldades são exacerbadas nas comunidades mais pobres.

Nas palavras da Dra. Margaret Chan, Diretora Geral da OMS, e do Sr. Robert B. Zoellick, Presidente do Grupo Banco Mundial, a visão que nos move é a de um mundo de inclusão, no qual todos sejamos capazes de viver uma vida de saúde, conforto e dignidade, e o Relatório Mundial traz evidências de forma a contribuir para que esta visão se torne realidade.

A deficiência é parte da condição humana – quase todos nós estaremos temporária ou permanentemente incapacitados em algum momento da vida, e aqueles que alcançarem uma idade mais avançada experimentarão crescentes dificuldades em sua funcionalidade. A deficiência é complexa, e as intervenções para superar as desvantagens associadas à mesma são múltiplas, variando de acordo com o contexto.

            A Convenção das Nações Unidades sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências (CRPD, na sigla original), adotada em 2006, tem como objetivo “promover, proteger e assegurar o gozo integral e igual de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, e promover o respeito por sua dignidade inerente”. Isso reflete a grande mudança na compreensão e respostas mundiais à deficiência.

            Observam-se atualmente altas estimativas de prevalência de deficiências no mundo: 1 bilhão de pessoas que vivam com alguma forma de deficiência corresponde a algo próximo de 15% da população mundial (baseado em estimativas da população mundial de 2010). Isso é mais alto do que as estimativas precedentes da OMS, as quais datam de 1970 e sugerem aproximadamente 10%.

            De acordo com a World Health Survey (WHS), aproximadamente 785 milhões de pessoas (15,6%) com 15 anos ou mais vivem com alguma forma de deficiência, enquanto a Global Burden of Disease (GBD) estima algo em torno de 975 milhões de pessoas (19,4%). Dessas, a WHS estima que 110 milhões de pessoas (2,2%) possuem dificuldades funcionais muito significativas, enquanto a GBD estima que 190 milhões (3,8%) possuem uma deficiência grave – o equivalente às deficiências inferidas por condições tais como a tetraplegia, a depressão grave ou a cegueira. Somente a GBD mensura a infância com deficiência (0-14 anos), a qual está estimada em 95 milhões de crianças (5,1%), das quais 13 milhões (0,7%) possuem deficiências graves.

            Perspectivas estereotipadas da deficiência enfatizam somente os usuários de cadeira de todas e alguns poucos grupos “clássicos”, tais como pessoas cegas e surdas. No entanto, a experiência da deficiência resultando da interação entre condições de saúde, fatores pessoais e ambientais variam largamente. Enquanto a deficiência está relacionada à desvantagem, nem todas as pessoas com deficiência sofrem igualmente esta desvantagem. Mulheres com deficiência sofrem discriminação por gênero assim como as barreiras incapacitantes. Taxas de matrículas nas escolas variam entre as deficiências, sendo que as crianças com deficiência física normalmente apresentam uma adesão maior do que aquelas que sofrem de deficiência intelectual ou sensorial (cegueira, surdez ou surdocegueira). Aqueles mais excluídos do mercado de trabalho geralmente são aqueles com dificuldades de saúde mental ou incapacidades intelectuais. Pessoas com deficiência grave sofrem frequentemente uma maior desvantagem, conforme demonstram as evidências coletadas desde a zona rural da Guatemala até a Europa.

            A CDPD destaca o papel do ambiente para facilitar ou restringir a participação das pessoas com deficiência. Muitas barreiras podem se caracterizar como incapacitantes, tais como:

  • Políticas inadequadas - a elaboração de políticas nem sempre leva em consideração as necessidades das pessoas com deficiência, ou as políticas existentes não são cumpridas. Por exemplo, na área das políticas de educação inclusiva, uma pesquisa envolvendo 28 países descobriu que 18 países ou disponibilizavam poucas informações sobre suas estratégias de inclusão das crianças com deficiência nas escolas ou não faziam qualquer referência à deficiência ou à inclusão. As falhas mais comuns nas políticas educacionais incluem a falta de incentivos direcionados para que as crianças com deficiência frequentem as escolas, assim como a falta de serviços de apoio para as crianças e suas famílias.

  • Atitudes negativas – crenças e preconceitos constituem-se como barreiras à educação, ao emprego, aos serviços de saúde e à participação social. Por exemplo, as atitudes de professores, administradores de escolas, outras crianças e até mesmo de membros da família afetam a inclusão de crianças com deficiência nas escolas regulares. Concepções erradas dos empregadores de que as pessoas com deficiência são menos produtivas do que suas contrapartes sem deficiência e a ignorância a respeito dos ajustes disponíveis para os ambientes de trabalho limitam as oportunidades de emprego.

  • Falha na oferta de serviços – pessoas com deficiência são particularmente vulneráveis a falhas em serviços tais como saúde, reabilitação e assistência. Pesquisas nos estados indianos de Uttar Pradesh e Tamil Nadu, por exemplo, descobriram que após o custo, a falta de serviços na região era a segunda razão mais frequente para que as pessoas com deficiência não utilizassem as instalações médicas.

  • Problemas na prestação de serviços – uma pobre coordenação dos serviços, funcionários mal preparados e inadequados afetam a qualidade, acessibilidade e adequação dos serviços a pessoas com deficiência.  Dados de 51 países da WHS revelaram que pessoas com deficiência eram duas vezes mais propensas a relatar inadequações nas habilidades dos prestadores de serviços de saúde no atendimento às suas necessidades, quatro vezes mais propensas a serem mal tratadas e quase três vezes mais propensas a ter serviços de saúde necessários negados.

  • Falta de acessibilidade – muitos ambientes construídos (incluindo instalações públicas), sistemas de transporte e comunicação não são nada acessíveis. A falta de acesso ao transporte é uma razão frequente pela qual as pessoas com deficiência são desencorajadas a procurar trabalho ou são impedidas de acessar os serviços de saúde. Pessoas com deficiência apresentam taxas significativamente mais baixas de uso de tecnologias da informação e comunicação do que as pessoas sem deficiência, e, em alguns casos, eles podem ser completamente impedidos de acessar mesmos produtos e serviços básicos como telefones, televisores e a Internet.

  • Falta de consultas e envolvimento - muitas pessoas com deficiência estão excluídas do processo de tomada de decisões em assuntos diretamente relacionados às suas vidas como, por exemplo, quando pessoas com deficiência não tem direito escolha e controle sobre como o apoio lhes e oferecido em suas casas.

  • Falta de dados e evidências – uma falta de dados rigorosos e comparáveis sobre a deficiência e evidências sobre programas que funcionam pode prejudicar o entendimento e a ação. Conhecer os números das pessoas com deficiência e suas circunstâncias pode melhorar os esforços para a remoção das barreiras incapacitantes e oferecer serviços que permitam que as pessoas com deficiência participem. Por exemplo, melhores condições sobre o ambiente e seu impacto nos diferentes aspectos da deficiência precisam ser desenvolvidos para facilitar a identificação de intervenções ambientais eficientes em custo.

 

Para além de como a vida das pessoas com deficiência são afetadas, as barreiras e desigualdades precisam ser enfrentadas. Para melhorar as atitudes, conhecimentos e habilidades de prestadores de serviços de saúde, a educação para profissionais da saúde precisa conter informações relevantes na área da deficiência. Envolver as pessoas com deficiência como provedores de educação e treinamento pode melhorar os conhecimentos e atitudes. O empoderamento das pessoas com deficiência para administrar sua própria saúde por meio de cursos de auto-administração, apoio de outras pessoas com deficiência, e oferta de informação tem sido efetivo na melhora dos resultados de saúde e redução dos custos de serviços de saúde.

A reabilitação e um bom investimento, pois constrói a capacidade humana. Ela deveria ser incorporada na legislação geral de saúde, emprego, educação e serviços sociais e nas legislações especificas para pessoas com deficiência. As respostas políticas devem enfatizar a intervenção precoce, os benefícios da reabilitação para a promoção da funcionalidade de pessoas com uma ampla gama de condições de saúde, e a oferta de serviços o mais próximo possível de onde as pessoas vivem.

A transição para a vida em comunidade, a oferta de uma gama de serviços de apoio e assistência e o apoio a cuidadores informais promovera a independência e permitira que as pessoas com deficiência e seus familiares participem em atividades econômicas e sociais.

A inclusão de crianças com deficiência nas escolas regulares promove a universalidade da conclusão do ensino primário, e eficiente em termos de custo e contribui para a eliminação da discriminação.

Ainda que muitos países já tenham começado a realizar ações para melhorar as vidas das pessoas com deficiência, ainda resta muito a ser feito. As evidências elencadas pelo Relatório Mundial Sobre a Deficiência sugerem que muitas das barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência são evitáveis e que as desvantagens associadas a deficiência podem ser superadas. Tal documento destaca as falhas na compreensão e ressalta a necessidade de novas pesquisas e do desenvolvimento de políticas para o estabelecimento de uma sociedade inclusiva na qual as pessoas com deficiência podem prosperar. 

Mauro Humberto Elias

Presidente do ICBC

 

 

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